O Meu Olhar
O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de, vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...
(Alberto Caeiro) O Guardador De Rebanhos
17 comentários:
Do mesmo Alberto - Pastor
Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr-do-sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.
Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.
Como um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.
Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.
Não tenho ambições nem desejos.
Ser poeta não é uma ambição minha,
É a minha maneira de estar sozinho.
E se desejo às vezes,
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita coisa feliz ao mesmo tempo),
É só porque sinto o que escrevo ao pôr-do-sol,
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.
Quando me sento a escrever versos
Ou passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado nas mãos
E vejo um recorte de mim
No cimo dum outeiro,
Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas ideias,
Ou olhando para as minhas ideias e vendo o meu rebanho,
E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz
E quer fingir que compreende.
Saúdo todos os que me lerem,
Tirando-lhes o chapéu largo
Quando me vêem à minha porta
Mal a diligência levanta no cimo do outeiro.
Saúdo-os e desejo-lhes sol,
E chuva, quando a chuva é precisa,
E que as suas casas tenham
Ao pé duma janela aberta
Uma cadeira predilecta
Onde se sentem, lendo os meus versos.
E ao lerem os meus versos pensem
Que sou qualquer coisa natural –
Por exemplo, a árvore antiga
À sombra da qual quando crianças
Se sentavam com um baque, cansados de brincar,
E limpavam o suor da testa quente
Com a manga do bibe riscado.
Tu desculpa-me a extensão do comment, mas temos um acordo, e para que o possa honrar...
Um beijo Psyc
claro que o honras ou não fosse o bartolomeu um cavalheiro ;)
Há anos que não lia Alberto Caeiro!
Encanta-me a simplicidade das palavras que só um guardador de rebanhos poderia ter.
"Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo..."
Eis uma frase que deveria ser um lema para cada vida.
"O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos..."
Quem sente isto é o tal "homem simples" e nunca "um simples homem" que escrevi no teu desafio.
ADOREIIIIIIIII!!!!!!!!!!
A seguir ao ortónimo vem este aqui! "o guardador de rebanhos" terá sido dos primeiros, senão o primeiro poema a eu ler integralmente e a gosto, quando era catraio!
bj
Eu quero ser inocente...
Xinhos
Bem sabes que adoro Pessoa, mas não te deixes cair no marasmo comtemplativo em que A. Caeiro caia ;) "pensar é não compreender", isso é que era bom :))
De Pessoa em Pessoa, sem dúvida Caeiro.
Um beijo, amiga
Uiii Pessoa..."engoli" e "saboriei" no meu tempo de liceu..todos os poemas e dos heteronimos..ui adorava perdia-me a ler todos eles!
:)
o poema é lindo, mas gostei mais do girassol.
Bonito poema de A. Caeiro e o girassol tambem esta lindo
Pessoa(lmente) fascino-me com girassóis!...
Abraço!
É impossível não gostar de Pessoa, impossível...
Beijo grande
catwoman obrigada pela visita volta sempre... Pessoa em todas as suas facetas fascina-me
Peciscas Concordo plenamente
Fatyly muito obrigada
abssinto também o li em catraia ;)
Xinha quem não o quer
sr_antonio era pois ;)
Nuno claro que é
catarina ara ainda bem ;)
lucia o meu sonho é ter um jardim de girassois
dragão muito obrigada
Tinta permanebte olha que eu também
claudia é mesmo impossivel
recuso-me a comentar esse senhor!
é bom e pronto!
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