sexta-feira, março 02, 2007

A janela de Nuno Neves

De olhos fixados na parede branca, vê a sua sombra… a sombra da sua imagem e a sombra do que já foi. A sombra do que foi e do que já não pode vir a ser. Recordações polvilham o seu cérebro, cheiros infestam as suas narinas,murmúrios atacam os seus ouvidos e paladares secam a sua boca, apenas sintomas do que já foi e do que já não pode vir a ser. É o problema dele edaqueles que vivem do passado e não se libertam dele, não conseguem olharpara o futuro. E ali estava, os segundos passavam e os minutos corriam, não tinha pressa que as horas passassem porque ainda faltava algum tempo para abrir a janela e assistir ao corrupio da rua, o corrupio do qual já não podia fazer parte. Mas que poderia fazer para combater a inércia que o atacava? Que poderia fazer para lutar contra o estigma que não o deixava sair daquele espaço exíguo? Que raio de condenação o tinham submetido? Olhava para a janela, e a aquela hora lá vinha moçoila da mala castanha com o seu passo apressado para a camioneta, passado cinco minutos chegava o senhor careca com o lenço ao pescoço que passava pelo café… Ele conhecia as pessoas pelos seus traços, pelos gestos, mas não conhecia ninguém pelo nome. Que saudades tinha de conhecer as pessoas pelo nome, que saudades. A janela era o seu respirar, já sabia que ao aproximar-se da janela estaria mais perto do mundo do qual tinha sido despejado, do qual o tinham afastado. A janela era o seu cinema e ele não era realizador, apenas um espectador. O cinema da vida que a janela lhe dava, mudava todos os dias porque todos os dias personagens novas apareciam, mas os actores principais eram sempre os mesmos. E olhava para a rua, lá vinha a mãe de gémeos com um em cada mão… um loiro e outro moreno mas vestidos de igual, todos os dias vestido de igual e ele só queria saber o nome das personagens do seu filme. A vontade de abrir a janela e questionar o nome das suas personagens atacava-o todos os dias, mas o mundo não compreendia a sua linguagem.

7 comentários:

psique disse...

Obrigada Nuno
vou colocar estes textos todos num sitio novo depois indico vos.
Beijinhos

jorge esteves disse...

Há só dois fugazes instantes em que a solidão é suportável: na juventude, quando temos os sonhos todos à nossa frente e na velhice com todas as recordações atrás...
No permeio, a solidão é um inferno!
Abraços!

Erecteu disse...

A privação do contacto directo.
Lembraste-me o deama dos acamados com plenas faculdades mentais, mendigando um fim digno.
Um beijinho.

ivamarle disse...

retrato de uma solidão que ataca cada vez mais pessoas e não são só idosos...

Anónimo disse...

Que texto magnífico e subscrevo as palavras de erecteu.
Gostei muito e chorei ainda mais porque dói, oh se dói ver seres humanos nessas condições.
Beijos

nunoaneves disse...

Obrigado pelos comentários.

psique disse...

Nuno foi um prazer ter-te aqui como participante, espero-te sempre...